segunda-feira, 7 de junho de 2010

Inocência (parte 1)

Alexandre deu a sua centésima volta na cama naquela noite. Por mais voltas que desse, acabaria sempre por se sentir desconfortável, incomodado. No entanto, toda esta «excitação» devia-se ao seu aniversário. Não que estivesse ansioso para que ele chegasse; ele não gostava muito de celebrar o seu aniversário…

Alexandre levantou a sua cabeça e fixou o alarme. O relógio digital marcava agora as 5h57.

Já só faltam duas horas. Duas horas e isto terá o seu fim.

O pobre menino tinha como que uma maldição na noite que antecede o seu dia de aniversário. Todos os anos, na noite que antecede o dia vinte do mês de Maio, Alexandre fica desperto e atento a qualquer perturbação sonora, qual morcego na sua gruta. Desconhecia a razão, mas a mãe respondia-lhe sempre “É da ansiedade, meu amor.” Mas Alexandre sabia que não era verdade…

As duas horas passaram, lenta e pesarosamente. Às 7h da manhã, uma figura esguia, elegante e feminina entrava pelo quarto a dentro, tentando não fazer barulho. Alexandre, como em todos os anos, fechou os olhos e fingiu estar adormecido num sono profundo, não ouvindo cada passada dos seus pais e dos seus irmãos.
- Parabéns, meu amor! – gritava a sua mãe com entusiasmo, com apoios fracos e desinteressados por trás.

Alexandre “despertou” e fez um largo sorriso. Os olhos apenas se dirigiram para a sua mãe, pois já sabia de cor a cara inundada de aborrecimento dos seus irmãos e do próprio pai.

- Obrigado! – para Alexandre, o falso entusiasmo estava patente em cada letra que pronunciava, mas a sua mãe nunca pareceu suspeitar.

- Mãe, já podemos ir? – perguntou Roberto, um dos irmãos.

A cara de felicidade da mãe do pobre menino fixava agora Roberto, e este percebeu logo a mensagem que os olhos escandalizados da mãe transmitiam.

Os olhos doces e (estranhamente) cinzentos de Alexandre percorreram cada uma das caras dos seus irmãos. Seis caras carrancudas, como se a sua mãe os tivesse posto de castigo. Havia ainda uma sétima que também mostrava desinteresse e monotonia. O seu próprio pai revirava agora os olhos de impaciência.

- Parabéns, filho. – pronunciou o pai. – Agora se me permitem, tenho que trabalhar. As sete crianças seguiram o pai.

Nunca os irmãos ou o pai mostraram amor por Alexandre. Sempre o trataram como um estranho que vivia lá em casa. Sempre que podiam, evitavam qualquer conversa com o “menino estranho”.

No fim, apenas mãe e filho permaneciam no quarto do aniversariante desgraçado. A mãe suspirou com um ar desiludido e triste.

- Não fiques assim mãe. – tentava tranquilizar a mãe - Eles apenas têm coisas para fazer.

A mãe abanou o rosto e os cabelos, recompondo-se e limpando disfarçadamente as lágrimas, e dirigiu-se ao seu filho querido. Um abraço longo e apertado dominou os minutos seguintes daquela estranha manhã.

- Sabes que te amo muito, não sabes?

- Sei sim, mãe. – Ao responder, uma lágrima percorreu o rosto do menino.


(Continua...)

PS: Este excerto do meu conto pode parecer um pouco lamechas, mas terá uma reviravolta no final. É ler para crer! :)

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