segunda-feira, 16 de agosto de 2010

apocalipse

Emma tinha que correr mais depressa. A desordem ruidosa da cidade mal chegava aos seus ouvidos. A única coisa que ouvia era o tic-tac do seu relógio, que parecia descompassado, mas em perfeita sintonia com o seu coração agora acelerado. Os segundos pareciam passar mais depressa do que o suposto, e Emma não podia chegar atrasada.

Virou a esquina e estacou a correria. Viu, por cima de muitos telhados, a torre do relógio. Marcava agora as 18h53.

Na sua mente, Emma lembrava-se do que a fizera correr. Quando abriu a porta de casa, para entrar, um pedaço de papel jazia no chão, pedindo desesperadamente que o apanhassem. Emma fez a sua vontade, lendo cuidadosamente cada palavra. Repetiu-a num mínimo de três vezes na sua cabeça:

Emma,

Se ainda me amas, vem ter comigo. Sei que não tenho direito de te pedir isto, e compreendo se não o fizeres. Mas tinha que tentar uma última vez. Por favor, não me julgues por isto pois é o meu coração que está em jogo, e estou disposto a tentar uma última vez antes de o ver escorregar-me das mãos e partir-se em mil e um pedaços a meus pés. Se quiseres evitar que isso aconteça, vem ter comigo às 7h na torre do relógio. Esperarei lá por ti.

Teu, Adam.

Se Emma tivesse coração, este ter-se-ia caído aos seus pés, com o peso da agonia e do desespero. Mas a verdade é que não o tinha. O seu coração frágil, qual pétala de rosa, não se encontrava no seu peito. Encontrava-se nas mãos que escreveram aquele bilhete, e ele nem se apercebera. As palavras de Adam ecoavam na sua mente, como se o seu inconsciente fizesse questão em gritar-lhas vezes sem conta. Emma já sabia que Adam tinha muito jeito para as palavras, visto que tinha um espaço para os seus textos no jornal da escola, mas aquilo foi muito além do que ela esperava. Olhou para o relógio apressada e assim desatou a correr porta fora.

No seu ponto de vista, as pessoas iam contra ela de propósito, só para ouvirem o estilhaçar dos mil e um pedaços. Continuando a correr o mais depressa que conseguia, olhou para o relógio.18h56. Distraída com as horas (que passavam como se alguém tivesse premido o botão «avançar»), Emma foi contra um homem, deixando cair o seu saco de compras. Todos os olhos se focaram nela. Esta hesitou mas desatou a correr novamente, pedindo desculpas sinceras. Não tinha tempo a perder.

Começava a ver o edifico onde a torre se situava. Um som arrebatador abalou a alma de Emma, paralisando-a por completo. Olhou repentinamente para o relógio, que se erguia majestosamente aos tons dourados do pôr-do-sol. Um novo estrondo fez o seu mundo tremer. Deu conta que eram as duas primeiras badaladas do grande relógio, marcando assim as sete horas. Não!Recomeçou a correr, agora ainda mais rápido, com a adrenalina a voar-lhe nas veias. Tinha que chegar antes da última badalada! Devia-lhe ao menos isso.

Mais uma badalada. Houve novo tremor de terra, fazendo o seu mundo começar a desvanecer. Mais duas badaladas serviram para mandar abaixo o seu pequeno mundo.

À quinta badalada Emma estava a abrir a porta que dava à grande escadaria da torre. A porta era pesada, e fez perder-lhe tempo crucial. Apressou-se pelas escadas, subindo aos pares. Sentia-se agoniada com a ideia de chegar atrasada. As escadas prolongavam-se até ao cimo. Uma nova badalada tentou mandá-la abaixo, mas não se deixou quedar. Continuou, como se nada se passasse. Por diante dos seus olhos, via todos os momentos que passara com Adam durante aquele ano tão cheio de felicidade. Não queria que acabasse. Iria chegar a tempo!

A sétima badalada rompeu o silencia, cortando-lhe o pensamento. Enquanto o seu mundo desabava, Emma caiu na sua correria.

Não!

Levantou-se, mesmo sentindo o seu corpo desfalecer, e continuou a subir as escadas. Quando chegou lá acima, ninguém se encontrava lá. Enquanto recuperava o seu fôlego, olhava de um lado para o outro, tentando encontrar o rapaz que tanto amava. Nada. Não via ninguém.

Chegou-se ao “parapeito”, onde quase se podia tocar nas peças engenhosas do gigantesco relógio que à momentos fizera ruir o mundo perfeitamente imperfeito da pobre rapariga. Lágrimas percorreram-lhe o rosto, reflectindo a luz do sol. Olhava a paisagem, pensando que seria a última coisa que viria daquele mundo. Pelo menos sempre tinha algo que a consolasse; aquela paisagem.

De repente, sem aviso, sentiu dois braços agarrarem-lhe a barriga, apertando-a gentilmente. Um corpo aproximou-se, e Emma sentiu uma respiração junto ao pescoço.

- Sabia que vinhas…

Assim, sem sequer precisar de verificar quem era, Emma voltou-se e beijou-o, estando pronta para enfrentar o seu apocalipse. Estava junto dele, era isso que importava.

E assim o apocalipse aconteceu. As suas almas libertaram-se do corpo mortal, juntando-se numa só. O amor era agora puro e completo.


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