quarta-feira, 15 de junho de 2011

sangue inocente

O pó fazia questão de pairar no ar e as teias aglomeravam os móveis. Jonathan tentava suster a respiração, mas era impossível e lá tossia uma vez ou outra. O sótão do avô, um santuário, encontrava-se agora mais como um cemitério de memórias e sabedoria. Nunca o conhecera; apenas lhe diziam que tinha partido para um sítio melhor. Diziam que tinha uma mente brilhante, de louco até! Que tinha ideias fixas, mas doentes. "Enfim, coisas de velho" diziam... E como herdeiro, achava-se no direito de vasculhar o (outrora) lugar sagrado do defunto. Sim, estava no seu direito. Mas a questão é quão cara lhe sairá esta afronta?
O seu olhar, que percorria o local praticamente sem ver devido ao pó, fixou algo. Os olhos mal pestanejavam, tal era o espanto e fascínio. Examinou bem o objecto e soprou-lhe, qual bolo de aniversário. Sentou-se na cadeira antiga, que chiou no instante de contacto, e deslumbrou-se com o que tinha à sua frente. A máquina de escrever do sr. Marvery, seu avô. Uma relíquia!
As letras sempre foram o forte de Jonathan, e ele nem queria acreditar no que estava a ver. Talvez fosse de família, algo que herdara do avó que nunca antes conhecera.
- Jon! - gritava a avó por ele. - Desce daí, isso está tudo sujo!
Jonathan nem sequer ouvira. Estava demasiado impregnado naquela visão magnífica.
Esticou os dedos. Tinha quase medo de tocar na máquina, que tal relíquia se quebrasse diante dos seus olhos. Tocou nas teclas com as pontas dos dedos.
Um arrepio atravessou-lhe a coluna, alastrando-se pelo corpo chegando à alma. Pálido, ficou ainda mais absorvido na máquina. Era como se a máquina vivesse, como que se respirasse!
"Tolices, tanto pó já te está a subir à cabeça!" pensou.
Levou os dedos de novo ao encontro da máquina. Pousou, e sentiu a vida da máquina. De repente, uma onda de escuridão cegou os seus olhos e paralisou a sua mente e o seu corpo. Um estado de transe possuía-o, como se tivesse desligado. O desespero apoderava-se de Jonathan, que tentava livrar-se de tal "feitiço". Quando voltou a si, deixou-se cair na cadeira, sufocado com o momento. Dava grandes goles de ar mas a única coisa que respirava era pó, o que ainda o afligia mais. Suavemente recuperou, recompôs-se. Os seus olhos estagnaram de repente, e os seus músculos ficaram novamente paralisados, tensos, mas desta vez não se devia a transe nenhum.
Por cima da máquina, uma folha repousava. Uma folha já velha, com resíduos de poeira. No entanto, a folha que antes estava em branco estava agora com tinta. Marcas de tinta. Letras.
Alguém tinha escrito naquela folha. Jonathan tinha escrito naquela folha. E nem ele próprio o sabia.
Atónito e apavorado, levou a mão trémula à folha e passou-lhe os olhos ao de leve até que começou a ler o que escrevera inconscientemente.

Entes,
Um dia tenebroso para todos vocês chegou por fim. Sim, "por fim". Eu sempre soube da sua chegada, nunca soube foi o tempo. E aqui chegou ela.
Despeço-me. Vivi a minha vida, sorri o que tinha a sorrir e chorei o que tinha a chorar. Descobri tudo o que havia para descobrir, a minha inteligência está farta de assuntos reles de quotidiano. Vou descobrir o que nenhum outro homem descobriu: a Morte. Se ela não vem a meu encontro, vou eu ao dela. Porque só alguém como eu lhe dá a volta. Chamem-me louco, mas eu apenas quero descobrir. Atingir níveis para lá da compreensão humana. Um dia irão compreender... Ou não.
Deixo todo o meu amor na minha esposa Veronil Slary. Deixo o meu cachimbo ao velho Gaston Gutter. Ao meu filho, deixo-lhe a minha casa e os meus bens - que sei que os vai usar bem e partilhar com a sua mãe. Não tenho muitas condições a fazer, apenas uma: quero deixar a minha máquina de escrever que tanto me ajudou ao meu futuro neto.
Enterrem a navalha comigo. É muito importante para mim, um presente de meu pai, pois ela foi a causa da minha partida à descoberta e por isso lhe estou grato.
Lamento,
Marley Marvory.

As lágrimas de incredulidade escorriam pela face de Jonathan. Escorriam, juntamente com o sangue que saia dos seus pulsos. A navalha do seu bisavô caiu-lhe da mão, como a carta do avô que lhe roubara a vida.
Onde outrora escorrera sangue de um louco, escorria agora o mesmo sangue, mas de um inocente.

domingo, 12 de junho de 2011

Home

Home.
A house, an apartment, a shelter. A place where you belong; where, no matter how you look - inside out -, nor what you say or do, you feel loved and accepted. A place where you feel protected, safe from all evil. A place where your true family - the ones who love you unconditionally - is. A place where you can be yourself and the answer to that will be a loving smile.
A person that brings you salvation, that tears your sadness apart, putting a smile on your heart instead. A person that loves you, and you love back. The one you belong to and you dedicate every move to. A person that desires you, that wants you, that loves you, that makes you feel unique.
A feeling of safety, protection, happiness. A feeling that fills your heart and soul, that makes you sigh. A feeling that makes your inside explode of amazement, of caring love.
Home. A place, a person, a feeling.
Home. Your arms, you, your love.
Because only you can make me feel home... I love you.

domingo, 29 de maio de 2011

santuário

Não sei. Não sei o que mais fazer. Que mais posso eu fazer para que possas perceber?
A minha mente é complexa. Tem visões, ilusões, alucinações. Vê coisas que não existem, cria coisas que não estão lá, afunda-me num buraco negro de emoções igualmente negras. No entanto, existe sempre uma mancha branca no meio do negrume, tal como uma estrela cadente no céu escuro da noite. Contudo, existe uma diferença entre a mancha branca e uma estrela cadente. A estrela cadente é um fenómeno natural, um efeito causado pela morte de uma estrela. Um flash de magia que desaparece tão depressa como apareceu. A mancha não é um fenómeno natural. A mancha não é morte alguma. A mancha não desaparece. A mancha é um raio de luz, uma abertura de esperança.
Tu és a mancha. És tu quem procuro quando o buraco negro que é a minha mente me engole. É a ti que vejo, és tu o meu raio de esperança. É a ti que me agarro para que a minha mente não me consuma. E, por mais estranho que pareça, não te tratas de uma estrela cadente que desaparece. Não me deixas.
Nunca te expliquei bem o que isso significa para mim. És tu quem me impede de ser consumido por mim próprio, és tu quem me protege. É a ti que procuro santuário. Tu és o meu santuário. O meu local sagrado, a parte mais íntima do coração, da alma.
Proteges-me da escuridão, independentemente do que esta me leve a dizer ou fazer. Nunca o faço por intenção, nunca te quis magoar. E sempre que o faço, acabo sempre desfeito em mil pedaços de vidro no chão, corruptos de sangue. Sangue meu. Sangue que derramo por te "desvalorizar".
Fazes-me perder a cabeça. Fazes-me querer cometer as maiores loucuras. Mas é isso que o amor é, certo? Uma loucura infernal que nos trás a maior felicidade interna de sempre. Um devaneio que nos desregula o coração, a mente, a alma e o corpo.
És o meu santuário. E algo sagrado nunca deve ser quebrado. E eu quebrei. Por te ter quebrado, sou agora pedaços de vidro no chão, corruptos de sangue.
Espero por perdão. Algo que mo dás, mas não verdadeiramente. Por isso te peço, aqui, que me perdoes. Que me deixes voltar ao que era. Que me permitas deixar de ser pedaços de vidro, para te concertar com o meu próprio sangue. Porque o amor é sangue. Corre por nós, chegando a cada célula do nosso corpo. E sem sangue não se vive. Sem amor não se vive. Sem ti, eu não vivo.
Amo-te.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

dia e noite

Promessas. Fazemos promessas todos os dias. O "para sempre", a nossa casa, os nossos gatos, o nosso quarto, a nossa cama... promessas.
Mas nada disso importa. Não é isso o que realmente quero. O que quero é a oportunidade de partilhar todos os minutos da minha vida contigo, sem desperdiçar nenhum. Deitar-me a teu lado e acordar da mesma maneira. Ir contigo para casa ou saber que me esperas lá, ou até mesmo esperar por ti. Saber que o nosso porto de abrigo está lá, que ao fim do dia não terá que haver o adeus de rotina. Saber que o nosso amor dura dia e noite, um ao lado do outro. A oportunidade de te poder ver quando quiser, de te poder tocar quando quiser. A oportunidade de te ter a todo o tempo, minha e só minha. A tua nudez, o teu sono. A chance de poder mostrar como é um segundo na minha vida, sem ter que pensar no que seria se aqui estivesses. A chance de te poder beijar a qualquer momento. No limits.
É isso que eu quero. Amor eterno, a teu lado dia e noite. Amo-te.

toque de vida

O teu toque.
O que eu dava para sentir o teu toque. Um toque de vida, de pureza. Mas tu dizes ser toque morto, sem vida alguma. Tu, olhos verdes, vens me dizer face aos meus olhos castanhos que não és ninguém. Que ninguém se importa, ninguém quer saber. Que não fazes diferença.
Pois fica sabendo que eu me importo, eu quero saber! É pelo teu toque de vida que anseio! Pelo teu ar frágil, pelo teu movimento sensual, pelo teu sorriso honesto, pelo teu cabelo esvoaçante, pelos teus olhos cor da Terra, pela tua voz cantante, pelo teu amor fatal. Serás tu a minha morte, o meu suicídio, o meu fado. Se morrer, será por ti. Pode não ser fisicamente, mas por dentro morrerei, qual rosa negra espalhando o seu negrume. Serei morto sem ti.
Agora não me digas que não és ninguém, olhos verdes, nem que ninguém quer saber. Eu quero saber!
Eu, que por ti morro; eu, que por ti vivo. Eu, que a ti amo.

sábado, 14 de maio de 2011

beastly

I'm a beast.
The scars from my past haunt me everytime I look at myself in the mirror. I look at myself and a beast I see. I wasn't like that. I am not like that.
But that's what people made me. They turned me ugly. The innocent child that I was, while young, turned, not into a swan, but into a black one. A (not even) human being with scars all over itself, making everyone around stare and judge. Stare not because they're amazed; but because of my "uglyness". Like I was something that no eyes have ever seen; a monster. A beast.
Names were spat in my face, gestures were punched to the bone. Killing the beast softly, that might have been their plan. The goal? Turn me ugly. That might have been because my inner beauty would scare them, so they had to take care about the surface.
But there were some people who could see beyond the scars. Beyond all evil cursed into my skin, into my soul. But none would see me like you do.
You look at me, with your eyes made of earth, amazed and in love. You look at me. Not at what people made me, but at me. Beyond the skin, beyond my brown eyes. You touch me so gracefully, like you're touching a rose. With all its beauty. You look at a beast and you see beauty. And, somehow, I feel beautiful. When I'm around you, all my scars disapear.
You do what no one does: You make me feel beautiful even though other people made me ugly.
You, my dear, love a beast.
And the beast loves you. I love you. I love you, with all my scars, all my flaws and my sins; I love you, beyond scars, flaws or sins. Beyond skin and flesh. I love you beyond my soul, and yours.

I love you.
Beast

sexta-feira, 29 de abril de 2011

vontade de viver

"Menina, ao ver-te aqui dá-me vontade de continuar a viver."
Ao ver-te aqui, neste preciso e decisivo momento, sinto-me mais vivo que nunca, como que um recém-nascido.
Os teus cabelos a caírem em ondas selvagens. Os teus olhos, mistos de receio, medo, amor, ternura, paixão e desejo. Os teus lábios com sede dos meus. O teu corpo desnudo, branco como mármore, perfeito como diamante, encostado ao meu. O teu coração imparável que pulsa descontroladamente.
Ao ver-te assim dá-me vontade de continuar a viver. Um "assim" que nada tem a ver com os desejos perversos e imorais que pela minha mente passam. Não "assim" nua, com o teu corpo curvilíneo, sensual e apetecível. Mas assim! Exposta, frágil, vulnerável, completamente entregue a mim... minha!
O meu corpo anseia o teu, num puro pensamento de desejo. O meu corpo enche-se de desejo; o meu coração enche-se de amor, espalhando-o por todas as células do meu ser.
Menina, ao ver-te aqui dá-me vontade de continuar a viver. Rapariga, ao ver-te assim dá-me vontade de continuar a viver. Mulher, ter-te minha dá-meu vontade de continuar a viver.